terça-feira, 25 de maio de 2021

ATERRADORA PROFECIA DE ANTÓNIO BARRETO

 Aterradora profecia de António

Barreto

Publicado por Mtv24 Redação em 1 de Outubro de 2020 | 21:08

Uma profecia feita com a lucidez e o realismo de António

Barreto. A LER com atenção, pois é deveras preocupante e já

se encontra em desenvolvimento


Republicanos, corporativistas, fascistas, comunistas e até democratas

mostraram, nos últimos séculos, que se dedicaram com interesse à revisão

seletiva da História, assim como à censura e à manipulação.

É triste confessar, mas ainda estamos para ver até onde vão os revisores

da História. Uma coisa é certa: com a ajuda dos movimentos antirracistas, a

colaboração de esquerdistas, a covardia de tanta gente de bem e o

metabolismo habitual dos reacionários, o movimento de correção da História

veio para ficar.

Serão anos de destruição de símbolos, de substituição de heróis, de

censura de livros e de demolição de esculturas. Até de retificação de

monumentos. Além da revisão de programas escolares e da reescrita de

manuais.

Tudo, com a consequente censura de livros considerados impróprios,

seguida da substituição por novos livros estimados científicos, objetivos,

democráticos e igualitários. A pujança deste movimento através do mundo é

tal que nada conseguirá temperar os ânimos triunfadores dos novos

censores, transformados em juízes da moral e árbitros da História.

Serão criadas comissões de correção, com a missão de rever os manuais

de História (e outras disciplinas sensíveis como o Português, a Literatura, a

Geografia, o Meio Ambiente, as Relações Internacionais…), a fim de

expurgar a visão bondosa do colonialismo, as interpretações glorificadoras

dos descobrimentos e os símbolos de domínio branco, cristão, europeu e

capitalista.


Comissões purificadoras procederão ao inventário das ruas e locais que

devem mudar de nome, porque glorificam o papel dos colonialistas e dos

traficantes de escravos. Farão ainda o levantamento das obras de arte

públicas que prestam homenagem à política imperialista, assim como aos

seus agentes. Já começou, aliás, com a substituição do Museu dos

Descobrimentos pelo Memorial da Escravatura.

Teremos autoridades que tudo farão para retirar os objetos antes que as

hordas cheguem e será o máximo de coragem de que serão capazes.

Alguns concordarão com o seu depósito em pavilhões de sucata. Outros

ainda deixarão destruir, gesto que incluirão na pasta de problemas

resolvidos.

Entretanto, os Centros Comerciais Colombo e Vasco da Gama esperam

pela hora fatal da mudança de nome.

Praças, ruas e avenidas das Descobertas, dos Descobrimentos e dos

Navegantes, que abundam em Portugal, serão brevemente mudadas.

Preparemo-nos, pois, para remover monumentos com Albuquerque, Gama,

Dias, Cão, Cabral, Magalhães e outros, além de, evidentemente, o Infante

D. Henrique, o primeiro a passar no cadafalso. Luís de Camões e Fernando

Pessoa terão o devido óbito. Os que cantaram os feitos dos exploradores e

dos negreiros são tão perniciosos quanto os próprios. Talvez até mais, pois

forjaram a identidade e deram sentido aos mitos da nação valente e imortal.

Esperemos para liquidar a toponímia que aluda a Serpa Pinto, Ivens,

Capelo e Mouzinho, heróis entre os mais recentes facínoras. Sem esquecer,

seguramente, uns notáveis heróis do colonialismo, Kaúlza de Arriaga, Costa

Gomes, António de Spínola, Rosa Coutinho, Otelo Saraiva de Carvalho,

Mário Tomé e Vasco Lourenço.

Não serão esquecidos os cineastas, compositores, pintores, escultores,

escritores e arquitetos que, nas suas obras, elogiaram os colonialistas,

cúmplices da escravatura, do genocídio e do racismo. Filmes e livros serão

retirados do mercado.

Pinturas murais, azulejos, esculturas, baixos-relevos, frescos e painéis de

todas as espécies serão destruídos ou cobertos de cal e ácido. Outras

comissões terão o encargo de proceder ao levantamento das obras de arte

e do património com origem na África, na Ásia e na América Latina e que se

encontram em Portugal, em mãos privadas ou em instituições públicas, a

fim de as remeter prontamente aos países donde são provenientes.

Os principais monumentos eretos em homenagem à expansão, a começar

pelos Jerónimos e pela Torre de Belém, serão restaurados com o cuidado

de lhes retirar os elementos de identidade colonialista. Os memoriais de

homenagem aos mortos em guerras do Ultramar serão reconstruídos a fim

de serem transformados em edifícios de denúncia do racismo. Não há

liberdade nem igualdade enquanto estes símbolos sobreviverem.


Muitos pensam que a História é feita de progresso e desenvolvimento. De

crescimento e melhoramento. Esperam que se caminhe do preconceito para

o rigor. Do mito para o facto. Da submissão para a liberdade.

Infelizmente, tal não é verdade. Não é sempre verdade. Republicanos,

corporativistas, fascistas, comunistas e até democratas mostraram, nos

últimos séculos, que se dedicaram com interesse à revisão seletiva da

História, assim como à censura e à manipulação.

E, se quisermos ir mais longe no tempo, não faltam exemplos. Quando os

revolucionários franceses rebatizaram a Catedral de Estrasburgo, passando

a designá-la por Templo da Razão, não estavam a aumentar o grau de

racionalidade das sociedades. Quando o altar-mor de Notre Dame foi

chamado de Altar da Liberdade caminharam alegremente da superstição

para o preconceito.

E quando os bolchevistas ocuparam a Catedral de Kazab, em São

Petersburgo e apelidaram o edifício de Museu das Religiões e do Ateísmo,

não procuravam certamente a liberdade e o pluralismo. E também podemos

convocar os Iconoclastas de Istambul, os Daesh de Palmira ou os Taliban

de Bamiyan que destruíram símbolos, combateram a religião e tentaram

apropriar-se tanto do presente como do passado.

Os senhores do seu tempo, monarcas, generais, bispos, políticos,

capitalistas, deputados e sindicalistas gostam de marcar a sociedade,

romper com o passado e afastar fantasmas. Deuses e comendadores,

santos e revolucionários, habitam os seus pesadelos. Quem quer exercer o

poder sobre o presente tem de destruir o passado.

Muitos de nós pensávamos, há cinquenta anos, que era necessário rever os

manuais, repensar os mitos, submeter as crenças à prova do estudo, lutar

contra a proclamação autoritária e defender com todas as forças o debate

livre.

É possível que, a muitos, tenha ocorrido que faltava substituir uma ortodoxia

dogmática por outra. Mas, para outros, o espírito era o de confronto de

ideias, de debate permanente e de submissão à crítica pública.

O que hoje se receia é a nova dogmática feita de novos preconceitos. Não

tenhamos ilusões.

Se as democracias não souberem resistir a esta espécie de vaga que se

denomina libertadora e igualitária, mergulharão rapidamente em novas eras

obscurantistas.

António Barreto

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