segunda-feira, 16 de novembro de 2015

MACROSCÓPIO

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!



O tema do Macroscópio de hoje não podia ser outro: os atentados de Paris. Mas confesso a imensa dificuldade em procurar guiar-vos pelas muitas análises, comentários e opiniões publicadas um pouco por todo o mundo nos últimos dias. Vou por isso seguir um primeiro critério: evitar as simples manifestações de choque e solidariedade, não porque não tenham valor, nem porque não tenham sido escritos textos belíssimos, mas por pensar que é mais útil tentar compreender e procurar discutir o que fazer.

A seguir, e por uma questão de comodidade começo pela comunicação social portuguesa, onde encontrei menos textos interessantes do que se esperaria e exigiria. Eis um breve apanhado:
  • O medo e o resto, de Jorge Almeida Fernandes, no Público, um texto que cita vários especialistas e onde se sublinha que “O terror do EI tem um desígnio estratégico com muitos vectores: demonstrar a força dos jihadistas e galvanizar os adeptos, provocar a partir do medo recíprocas reacções de ódio para romper as críticas pontes entre a Europa e as suas comunidades islâmicas e, enfim, fazer inflectir a política dos Estados europeus que intervêm na Síria, no Iraque ou na África, e também dissuadir os outros de o perseguirem.”
  • Esta guerra, o islamismo e a nossa cobardia moral, que eu próprio escrevi aqui no Observador, assumindo logo de entrada que “Não tenho certezas, tenho dúvidas. E estou assustado por perceber que a guerra já começou e não discutimos as questões centrais e incómodas”. Nesse texto elenquei cinco dessas questões (mas um número bem maior de desafios): 1. Estamos em guerra? Sim, estamos. E o que quer isso dizer?; 2. Vamos sacrificar liberdades em nome da segurança? É bem provável; 3. Teremos de falar de novo de “Choque de civilizações”?; 4. Vai tudo ficar igual no acolhimento aos refugiados? Não, não vai; e 5. O islamismo é um totalitarismo? É, e como tal tem de ser tratado.
  • O principado de Zouheir, de Helena Matos, também aqui no Observador, onde a autora elogia conta a história de Zouheir, o “segurança que impediu a entrada de um dos terroristas no estádio onde decorria o França-Alemanha”, um herói cuja cara não conhecemos porque ele tem medo. Mas não só ele: o medo tolhe a acção coletiva. Por exemplo: “nós vivemos o esboroamento do centro e trocámos as convicções pelas indignações: às primeiras imagens de uma operação mal sucedida e aos primeiros homens caídos, político europeu algum fora do Reino Unido resiste às “manifestações pela paz”, até porque logo os seus rivais usarão esse apelo como argumento eleitoral”.
  • O regresso da barbárie, de Carlos Gaspar, no Público, onde o autor defende que “a resposta mais eficaz contra os atentados do "Estado Islâmico" é, por um lado, neutralizar as suas redes europeias e, por outro lado, aumentar a pressão militar contra as suas forças na Siria e no Iraque. O seu prestígio nas alas islâmicas mais fanáticas e radicai, patente no recrutamento de militantes em dezenas de países, incluindo a França, depende da sua capacidade para ocupar uma parte significativa do território da Síria e do Iraque, a única forma de se legitimar como um "Estado Islâmico".”
  • Armadilhados, de Luciano Amaral, no Correio da Manhã, onde se defende que o “Se o objectivo é destruir as sociedades ocidentais democráticas, então o Estado Islâmico sabe o que faz. Ele não espera destruir Paris e a França à força de coisas como esta. Espera é que coisas como esta destruam as sociedades ocidentais por dentro, dividindo-as em grupos que se confrontam sobre a forma como lhes responder e sobre a forma como lidar com as cada vez maiores comunidades islâmicas no seu interior.
  • Paris fica na Síria, de Rui Ramos, no Observador, sublinha também a existência dessas divisões, notando que “Seria de facto crítico que, perante o terrorismo, encontrássemos ministros dependentes de quem não é capaz de condenar um crime sem elaborações duvidosas, ou considera que os EUA ou Israel, neste caso como em todos os casos, é que representam a culpa e a ameaça. Não pode haver dúvidas sobre o empenho de quem governa na defesa dos valores ocidentais e do nosso modo de vida.” (E há sempre quem se lembre de o fazer, mesmo em alturas como esta, como é possível ver neste texto inclassificável de Hermínia Saraiva no Diário Económico, Quantas mortes separam as Lajes do Tribunal de Haia?, que ao fim da tarde de hoje até já tinha desaparecido da listagem das opiniões online daquele órgão de informação.)
  • Estou farto de ouvir dizer que a culpa é nossa!, de Henrique Monteiro, No Expresso, um texto onde se reforça esta ponto defendendo que “o melhor serviço que poderíamos prestar ao Daesh, os mandantes destes crimes, seria alterar o nosso estilo de vida; mudar a nossa mundivisão e com ela recusar os refugiados e os migrantes. Temos de saber viver entre assassinos e temos de ser melhores a detetá-los. Isso passa também por não tornarmos em heróis os que, volta e meia, “descobrem” que todo o mundo é espiado.”
  •  



Do muito que foi publicado na imprensa internacional, aqui fica uma selecção do que me pareceu mais interessante e pertinente (vou tentar ser muito breve e sintético):
  • A proclamation against Isis, the party of death, do historiador Simon Schama, no Financial Times, que defendeu que gritássemos bem alto os princípios de que nunca abdicaremos: “They are the ones enshrined in the words of those who first articulated the imperatives of free speech: religious toleration; the right to civil peace; resistance to tyranny and theocracy. They are integral to the imperishable statements of Jefferson, John Milton and John Locke, but also Montesquieu, Voltaire, Condorcet, Emmanuel Levinas.”
  • How many more people have to die before we stop appeasing Islamists? Why aren't we standing up to the enemy within?, de Charles Moore, no Telegraph, onde se argumenta a favor da ideia de que “no civilisation can survive without the means of defending itself, and those means include an expeditionary capacity. Diplomacy, foreign policy and trade have to be backed up by the ability to project force across the world to support our allies and confront our enemies. In this generation, most of our leaders have abandoned this idea. Now they seem surprised that we are left weak.”
  • L’effroi et le sang-froid, de Jérôme Fenoglio, director do Le Monde, para quem “En ce début de XXIe siècle, le fanatisme religieux, en l’espèce islamiste, a remplacé les grands totalitarismes du XXe siècle. Comme Le Monde l’a souvent expliqué, l’islamisme, par son absolue radicalité, est un totalitarisme – cette promesse folle de régler tous les aspects de la vie des hommes au nom d’une religion érigée en unique source de rédemption. Or ce « parti des purs », pour reprendre l’expression du grand politologue Pierre Hassner, s’en prend prioritairement aux démocraties. Il nous combat autant sinon plus pour ce que nous sommes que pour ce que nous faisons ou ne faisons pas.”
  • «C'est notre civilisation qu'ils veulent détruire», uma entrevista de Pascal Bruckner ao Le Figaro, onde o escritor antecipa, de alguma forma, o discurso que ontem François Hollande fez aos deputados franceses: “Il faut suspendre immédiatement les garanties constitutionnelles des djihadistes incarcérés. Les isoler dans des centres fermés, éviter qu'ils exercent une action de prosélytisme délétère dans les prisons. Les individus suspects doivent être considérés comme coupables et mis hors d'état de nuire, là aussi par l'expulsion ou l'emprisonnement. Enfin, l'État devrait, surtout si les pleins pouvoirs sont votés, mettre en marche le service action qui avait été déclenché par de Gaulle contre l'OAS [um grupo de extrema-direita]”.
  • After the carnage, a common cause, de Kori Schake, um investigador da Hoover Institution, no Politico, que escreveu que “The work of building common cause is arduous, and we have been avoiding it, hoping the forest fire raging across the Middle East would burn itself out. Even with hundreds of thousands of refugees fleeing from Syria’s dangers, defanging the cause that put them to flight wasn’t under serious consideration. Now hard things will be asked of us, as allies and as defenders of freedom.”
  • Europe must confront failed integration, de Douglas Murray, no Telegraph, onde se toca num dos temas mais sensíveis e mais polémicos: Primeiro: “These people know that the actual terrorism is committed by a small segment of the Islamic community. But they also know that too many people urge on that small segment or think it is in some way justifiable.” Depois: “Where are the people who pretend that an immigrant from a Muslim background and an immigrant of Christian background are equally likely to integrate into France?”
  • Fábricas de terroristas, do professor e investigador Fernando Reinares, um especialista em terrorismo e em processos de radicalização, um texto no El Pais que começa enterrando o dedo na ferida: “En 2010, el año antes de iniciarse la guerra civil en Siria, había en el mundo unos 1.600 millones de musulmanes. Apenas el 1,25% de ellos en Europa Occidental. Sin embargo, los procedentes de Europa Occidental constituyen al menos el 20% de los entre 25.000 y 30.000 que han viajado a aquel país para unirse al Estado Islámico, el Frente Al Nusra u otras organizaciones yihadistas.”
  • Europe’s Terrorist War at Home, de Ayaan Hirsi Ali, a activista somali que tem denunciado o radicalismo islâmico, no Wall Street Journal, que sustenta deverem os líderes europeus “do their own proselytizing in Muslim communities, promoting the superiority of liberal ideas. This means directly challenging the Islamic theology that is used by the Islamist predators to turn the heads and hearts of Muslims with the intent of converting them into enemies of their host countries.” Mais: para ela há vários problemas nas políticas europeias de imigralção, nomeadamente porque “It is too easy to gain citizenship without necessarily being loyal to national constitutions; it is too easy for outsiders to get into European Union countries with or without credible claims for asylum.”
  • Do Paris terror attacks highlight a clash of civilisations?, de Gideon Rachman no Financial Times, um texto que discute um dos temas que suscitei na minha crónica, como já referi atrás. O que o autor faz neste texto é descrever como, um pouco por todo o mundo, há sinais de preocupantes de tensão entre comunidades, para depois defender que essa tendência deve ser contrariada: “The confluence of these developments in North America, Europe, the Middle East and Asia is fuelling the idea of a clash of civilisations. Yet the reality is that the Muslim and non-Muslim worlds are intermingled across the globe. Multiculturalism is not a naive liberal aspiration — it is the reality of the modern world and it has to be made to work. The only alternative is more violence, death and grief.”

Poderia continuar, mas hoje fico-me por aqui. Julgo que abri muitas portas diferentes e muitos caminhos de reflexão por vezes contraditórios. Enquanto escrevo, as televisões continuam a mostrar imagens de manifestações de solidariedade, da observação de minutos de silêncio, chegam-me aos ouvidos as estrofes da Marselhesa. Mas estes ainda são os dias em que todos dão as mãos. Veremos como a realidade se vai desenvolver, certos de que teremos de regressar ao tema com frequência. Porventura por tão más e tristes razões como as de hoje.

Bom descanso, boas leituras e até amanhã.

Sem comentários:

Enviar um comentário