Borges da Cunha

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

CURRÍCULUM ALDRABADO.,..

 

Podemos não ligar, mas não somos parvos

Henrique Monteiro

Henrique Monteiro 

Ex-Diretor; Colaborador

O primeiro-ministro e a ministra da Justiça deveriam compreender bem esta coisa simples: não podem partir do princípio de que os eleitores são parvos. Mesmo que não liguem, entendem. Escrevo a propósito do mais do que célebre procurador europeu e a falsificação do seu currículo

6 JANEIRO 8:00

Já sei que falsificação é uma palavra esdrúxula no vocabulário oficial, onde se deve escrever e dizer lapso. Aproveito o argumento para dizer que a palavra falsificação, escrita por mim, foi um lapso. E um lapso dos meus serviços, que são constituídos por um grupo de desmazelados e desmiolados.

Pronto, não tendo acusado ninguém de falsificador, o caso fica arrumado. É algo sem importância. Hei de lembrar-me disto para o futuro, não volte a ser ameaçado com processos, tribunais e coisas do estilo.

Mas vamos a factos. Escrevi sobre o assunto no princípio de agosto, há cinco meses. Já na altura se sabia que:


1.       A Procuradoria Europeia começaria a funcionar no final de 2020, no Luxemburgo;

2.       Os 22 países que subscreveram este acordo decidiram, cada um deles, indicar um procurador cujo currículo, perfil e desempenho seria submetido a um comité europeu de peritos;

3.       A ideia era que a Procuradoria Europeia não fosse uma espécie de cimeira intergovernamental;

4.       O comité de peritos (do qual fazia parte o presidente do nosso Tribunal de Contas) avaliaria e ordenaria os candidatos;

5.       Mesmo antes de os nomes portugueses seguirem para a Comissão, uma das candidatas já tinha colocado em causa o processo por uma razão ponderosa: os critérios de seleção, em Portugal, foram estabelecidos depois – e este depois brada aos céus – de conhecidos os nomes;

6.       Essa mesma candidata foi, ainda assim, escolhida, e o seu nome enviado juntamente com outros dois;

7.       O comité europeu colocou-a como a mais bem classificada da lista portuguesa;

8.       A ministra, porém, escolheu outro nome - ousadia que apenas mais dois países cometeram (Bélgica e Bulgária);

9.       Declarações de voto da Áustria, Estónia, Luxemburgo e Holanda, manifestaram a sua oposição a essas intromissões governamentais;

10.    Alguns académicos europeus (entre os quais Poiares Maduro e Rui Tavares) pediram a anulação das designações para a procuradoria europeia;

11.    Nada disto demoveu a ministra e o Governo, que levaram a sua avante.


O que aqui temos é fantástico. Esta procuradoria europeia destina-se, entre outras tarefas, a escrutinar a aplicação transparente e rigorosa dos fundos, também conhecidos por bazuca ou ‘orgia financeira’. Ora, quando o escrutinado escolhe o escrutinador, entrámos no reino da rainha de Copas de ‘Alice no País das Maravilhas’ (a que gritava primeiro corta-se a cabeça, depois faz-se o julgamento).

Em segundo lugar, todos os argumentos que o Governo deu para escolher o seu candidato caem um por um. Deu o argumento da idade: mas a prova a que concorrem exige mais de 20 anos de experiência e nenhuma idade mínima (seria idiota, uma forma rude de dizer estulto, impor idade mínima e simultaneamente 20 anos de carreira); deu o argumento da experiência, mas o procurador escolhido não tem como especialidade (apesar dos lapsos no currículo) a criminalidade económica, ao contrário da procuradora em causa; por outro lado, num concurso para o OLAF (Organismo Europeu de Luta Anti-Fraude), o procurador tinha ficado classificado atrás da procuradora.

Por último, dá o argumento da autoridade: quem tem de decidir é o Governo e não o comité de peritos. E tem razão formal, embora não se perceba para que aceita submeter os nomes a uma comissão de peritos, se depois não segue o que dizem os mesmos peritos.

A bem da contenção (eu na altura escrevi que o processo era uma vergonha, e mantenho, embora por lapso possa dizer que além de vergonha é um insulto à inteligência de quem o segue, e uma provocação a quem defende a independência da magistratura e uma forma autoritária, antidemocrática, de exercer o poder), mas a bem da contenção dizia eu, vamos partir do princípio de que o Governo tem razão em tudo.

Por isso, José Guerra é muito melhor do que Ana Carla Almeida, os dois procuradores em causa. Seja como for, e apesar do processo estar instruído de forma limpa e sem qualquer margem de dúvida, tendo até apenso um currículo sem lapsos, foi necessário mandar outro currículo, ou uma nota explicativa, ou o que fosse, para a nossa representação junto da UE.

Esta foi feita no Ministério da Justiça. Diz o diretor-geral que se demitiu, homem desde sempre ligado ao PS, professor de Direito, que a fez de acordo com diretivas da ministra. Já se viu que, por lapso, é mentiroso. A ministra não deu quaisquer diretivas e nunca olhou para o papel que seguiu para o seu gabinete a fim de ser mandado para Bruxelas. Por que haveria de fazê-lo? Um processo banal como aquele merecia qualquer interesse especial de um responsável político? Claro que não!

Mais tarde, a correspondente da SIC em Bruxelas, Susana Frexes, repara que o currículo enviado está, digamos, cheios de lapsos a engrandecer o procurador escolhido.

Que maçada! Mas são lapsos.

Os partidos e diversos comentadores, os candidatos presidenciais, começam a pedir explicações. Alguns pedem a demissão da ministra. Que disparate! A ministra não viu nada, pelo que mandou investigar os lapsos. Já se sabe de onde vieram, do senhor que se demitiu, professor de Direito. Caso arrumado.

E vem o senhor primeiro-ministro e diz que mantém a confiança na ministra, que tudo isto é uma sucessão de pormenores sem importância.

Por lapso, apetece-me dizer que as sucessões de pormenores fazem um caso muito grave. Gravíssimo e vergonhoso. Por lapso, ainda, lembro-me que o procurador José Guerra trabalhou com o adjunto do gabinete da ministra, o procurador Lopes da Mota, que chegou a estar suspenso pelo CSMP, depois de ter pressionado outros procuradores a largarem o caso Sócrates. Por lapso, chego a pensar que isto anda tudo ligado.

Por isso, caro Dr. Costa, cara Drª Francisca Van Dunem, com todo o respeito, reconheçam que toda a gente percebeu o que se passou. É bom que não nos tomem por parvos. Não ter interesse no assunto, é uma coisa, engolir as patranhas (lapso: as vossas opiniões) é outra bem diferente!

 

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Borges da Cunha
Leiria, Barreira, Portugal
Nascido em 1934, frequentou o extinto Externato D. Dinis, o Seminário Diocesano de Leiria, etc.. Cumpriu grande parte do serviço militar no antigo Estado da Índia onde se relacionou com a Cultura Hindu, mantendo aí velhas amizades desde os bancos do liceu Afonso de Albuquerque e Escola Normal Luís de Camões em Pangim tendo vindo a finalizar o Curso do Magistério em Coimbra no ano de 1959/60. Durante a sua passagem por Goa foi co-fundador da “Revista Académica”, órgão cultural da Escola Normal Luís de Camões. Exerceu a sua profissão durante trinta e tal anos em escolas do Ensino Primário, Cursos de Aperfeiçoamento Agrícola e Cursos de Adultos. Publicou alguns trabalhos para o Ensino Primário. Colaborou nas escavações das ruínas de Collipo sendo por isso agraciado com um louvor da Comissão Regional de Turismo de Leiria e que o Ministério da Educação confirmou. Cooperou com alguma assiduidade na imprensa regional e nacional sempre com intuitos interventivos. É sócio da Sociedade Histórica de Portugal (SHIP), da SEDES e a ADLEI. Foi agraciado com o Galardão da Câmara Municipal de Leiria e com o Medalhão da Junta de Freguesia da Barreira.
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