segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

DOIS MIL E VINTE

 

Dois mil e vinte

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Este foi um ano para esquecer, afirma o PÚBLICO na retrospectiva de 2020. É uma expressão que descreve bem 2020 sem significar que o ano venha a ser (ou deva ser) esquecido.

Em alguns aspectos, este foi um ano em que a tecnologia ganhou importância. O ano do coronavírus (e das eleições americanas e da tortura e morte de um homem no Aeroporto da Portela) foi aquele em que a tecnologia permitiu que o mundo continuasse operacional, apesar de parcialmente fechado em casa. O Zoom e plataformas similares passaram a ser rotina para milhares de trabalhadores, e ainda tornaram possíveis reuniões familiares e de amigos. Serviços de streaming como o Netflix e o YouTube ocuparam milhares de horas de confinamento. Usar plataformas de estafetas como a Uber Eats e a Glovo tornou-se tão banal como antes era almoçar fora – e estas absorveram precariamente uma parte da mão-de-obra que a crise dispensou. A Peloton, uma empresa de aparelhos de exercício conectados, viu o negócio disparar graças aos receios de contágio nos ginásios. Os produtos e serviços de empresas como a Microsoft e o Google tornaram-se ainda mais essenciais. O mesmo aconteceu com as fabricantes dos componentes que fazem funcionar a enorme cloud.

As valorizações em bolsa são um indicador claro de que o mundo da tecnologia continuou a girar. A economia encolheu em todo o mundo, milhões de pessoas ficaram mais pobres, há sectores devastados; mas todas as grandes tecnológicas ganharam valor. Jeff Bezos, o presidente da Amazon e a pessoa mais rica do mundo, termina o ano 72 mil milhões de dólares mais rico. Elon Musk, da Tesla, ganhou quase o dobro: são mais 140 mil milhões de dólares, que o catapultaram para o segundo lugar na lista dos “bilionários” compilada pela Bloomberg.

Já muitos afirmaram que esta é uma crise desigual (entre eles, um Prémio Nobel da Economia), afectando muito mais alguns segmentos da população (sobretudo, os que ganham menos e têm menos educação) e poupando (ou beneficiando, até) os trabalhadores da chamada economia do conhecimento. O sector das tecnologias tem sido nos últimos anos um palco para a desigualdade económica brilhar, algo que a pandemia veio exacerbar. E a crença no futuro risonho das empresas tecnológicas é tal que as acções do Airbnb – uma empresa que vive essencialmente do turismo – mais do que duplicaram de valor quando se estrearam este mês na bolsa.

Para muitas tecnológicas, a coreografia de lançamentos seguiu mais ou menos o rumo planeado. A Microsoft e a Sony lançaram as novas Xbox e PlayStationSamsungHuawei e Apple apresentaram novos telemóveis. Por cá, a Web Summit aconteceu em linha com o espírito dos tempos: numa versão integralmente online, mas com menos impacto do que o habitual.

Sinal do poder das grandes tecnológicas é o facto de, apesar das preocupações pandémicas, este ter sido um ano em que reguladores e legisladores na Europa e nos EUA mostraram alguma disposição para apertar o controlo. Tanto o Facebook (que é dono do WhatsApp e do Instagram) como o Google foram acusados nos EUA de práticas anticoncorrenciais. Já a União Europeia apontou baterias à Amazon, incluindo com a abertura de uma segunda investigação à forma como a empresa apresenta os seus próprios produtos face aos produtos de outros retalhistas que usam a plataforma.

Porém, este foi também um ano de humildade para o mundo da tecnologia, onde a húbris não é exactamente um bem escasso. Afinal, o grande contributo das tecnologias de informação para mitigar a pandemia – as aplicações de rastreio de contacto que muitos países adoptaram – serviram para pouco ou nada. Um trabalho do PÚBLICO em Outubro concluiu que apenas 179 pessoas tinham até então assinalado os respectivos contágios na polémica aplicação StayAway Covid.

Há problemas que nenhum código informático resolve – e a pandemia global mostrou ser um deles.

4.0 é uma newsletter sobre inovação, tecnologia e o futuro. Críticas e sugestões podem ser enviadas para jppereira@publico.pt. Espero que continue a acompanhar.

 

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