terça-feira, 22 de setembro de 2020

VAIDADE DAS VAIDADES-M. Fátima Bonifácio

 OPINIÃO

A corrupção em Portugal

Vivemos hoje em dia nas antípodas da reserva auto-imposta de outrora. Hoje não basta ser rico. É preciso exibir sinais de riqueza até mesmo quando esta não é real e não passa de uma aparência.

A quantidade de processos hoje em dia a correr nos tribunais de Lisboa é impressionante. Mais impressionante ainda é a sensação de impunidade com que os prevaricadores necessariamente agiram: como se a Lei não se lhes aplicasse e a Justiça não lhes tocasse. Talvez a colaboração de um sociólogo e de um psicólogo pudesse esclarecer o que está por trás desta atitude tão bizarra que toca as raias da psicopatia, e incompreensível aos olhos de um cidadão normalmente constituído. A enxurrada de arguidos e acusados responsáveis pela perpetração de tantas ilegalidades ou crimes revela que se trata de criaturas simplesmente amorais. De facto, é preciso ter perdido toda e qualquer espécie de sentido moral para enveredar por um tal caminho criminoso. E, sobre isso, é preciso estar absolutamente convicto de que, caso se dê um tropeço, se pode contar com a eficaz protecção de outros peixes graúdos, cuja solidariedade não deixará de se manisfestar.

O que torna o luxo tão irresistivelmente atractivo? O luxo é irresistível porque satisfaz a vransmite um sentimento de superioridade e segurança que, não sendo reais, todavia conforta quem se deixa iludir. A vaidade constitui uma motivação imbatível. Tempos houve, há muito, muito tempo, em que era proibido ostentar riqueza – uma atitude ditada pelo pudor e por uma instintiva sobriedade. Vivemos hoje em dia nas antípodas da reserva auto-imposta de outrora. Hoje não basta ser rico. É preciso exibir sinais de riqueza até mesmo quando esta não é real e não passa de uma aparência. Pouco interessa: o que interessa é ser visto como alguém que nada em dinheiro: grandes carros, grandes casas, férias de luxo em estâncias de esqui ou em praias tropicais, calçado e vestuário das marcas mais caras e por aí fora.

Mas será ilícito ou imoral sonhar e ter ambições? Evidentemente que não, muito pelo contrário. O que moralmente (e legalmente) nos está vedado é servirmo-nos de meios ilícitos para alcançar os nossos objectivos. Mas donde vem este desaforo, esta gula pelo dinheiro e pelo luxo?

Se andarmos para trás na história, veremos que o processo se iniciou durante o marcelismo. Nessa altura, porém, os bafejados pela sorte eram relativamente poucos, devido à geral pobreza do País. Sob este aspecto, o 25 de Abril, no imediato, favoreceu pouca gente. (Mas alguma favoreceu: basta pensar em Macau e, mais tarde, na entourage de Cavaco Silva.) O verdadeiro maná só começou a ser derramado a partir da adesão à UE e do acesso aos fundos comunitários. A partir daí, foi um fartar vilanagem. Aquilo a que hoje assistimos é uma continuação e ampliação de um “sistema” de apropriação directa ou indirecta de dinheiros públicos que, na sua grande maior parte, provêm dos impostos pagos pelos cidadãos. A implantação e constante ampliação deste “sistema” corre em paralelo com a democratização da política e da sociedade. É uma consequência da Democracia.

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